Dizem que Ana sempre olhou muito mal.
Que ela simplesmente não via o que quase todo mundo via.
Que seu olhar dispersa das coisas.
E que, entre outras coisas, só via de suspiros pela lua cheia nascendo no horizonte, ou via de chateação pela espinha impertinente nascendo em seu rosto.
Ana sempre enxergou melhor com os ouvidos.
Até parece que nasceu de música.
Poderia ser cantora, violonista, pianista.
Mas não, Ana escolheu as artes plásticas que pedem tanto aos olhos.
Assim Ana habituou esfregar seu olhar nas coisas ao seu redor.
No entanto esse olhar atento durou pouco tempo.
Ana distraída começou a ver com a imaginação, mais ou menos como fazia quando criança e via o que ninguém via.
Ana desenhou delírios e criou seres nunca vistos disso.
Nem tardou e Ana abandonou as artes.
Decidira escrever poesia e seu olhar se voltou para dentro.
Escreveu de sentimentos e sensações, principalmente sensações: "o sentimento vaza como música em minha pele".
Ana descobrira que não só os versos mas cada palavra, em si mesma, comporta sensações.
Carrasco, por exemplo, é uma palavra bem seca provavelmente pelo dígrafo rr seguido de asco.
Burburinho é uma palavra que borbulha e faz cócegas ao pé-do-ouvido.
Enquanto jequitinhonha tem algo de nhoc-nhoc, nhac-nhac.
E alpendre tem uma amplitude inicial mas aconchega no final.
Ana prestava muita atenção às sonoridades das palavras e suas significâncias, daí inventava neologismos.
Alguns dizem que Ana virou poeta porque enxergava muito mal com os olhos (bendita deficiência!).
Ana é de ouvidos, de sensações, imaginânsias e sonholências.
4 comentários:
Olá querida e linda Sandrinha Camurça,
Dona Moça, eu simplesmente adoro este seu jeito de escrever, simples e tocante
toque de pegar
toque de tocar
tatosomelodia
"o sentimento vaza como música em minha pele".
Lembrei de Janis Joplin
beijo grande prati
putz, que maravilha ler alguém que não escreve algo fútil sobre si próprio, o que está comendo, onde vai, onde está, com quem vai, enfim, o prato fei(t)o dos últimos tempo: umbigo ao molho de baba própria...
aqui, ludicidade, inteligência e fluência.
muito bom.
como sempre.
bj
Sensibilidade pura: Ser de ouvido... Ser de sensações... Ser se tornando gente... Ser se fazendo em poesia. Ana. A sonoridade é linda.
Grande abraço
Vais e Marcelo,
carinho grande,sempre!
beijos
Jacinta, grata pela visita e pela "sensibilidade pura"
beijos
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