quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

da nossa incompetência amorosa

Arte de Egon Schiele

Amor que se aceita imperfeito nunca que se acaba. Acredito nisso, ou tento acreditar. Venho diminuindo minhas ilusões a cada amor que dá e passa. Um dia acreditei que um amor podia durar pra sempre, lindo e perfeito. Hoje, mais lúcida, aposto na imperfeição, num rascunho amoroso que nunca dá tempo de passar a limpo. E que permanece imperfeito, inacabado, como uma obra em construção. 


Já errei e tropecei um bocado nessa trilha cheia de pedras e abismos chamada amor. Difícil discernir o que realmente acontece aos casais, mas cada vez que analiso os relacionamentos amorosos, meus e de pessoas próximas, vou me convencendo que o maior problema do amor reside no fato da gente exigir demais dele. Como se ele tivesse que ser sempre aquele paraíso luxuriante dos primeiros encontros apaixonados. Como se o amor não fosse como a vida, cheia de altos e baixos. 

Quando o tesão diminui: ops, acho que estamos com problemas. Sim, problemas, sempre eles. A vida dá trabalho e traz aborrecimentos. Mas a falta de tesão é precipitadamente interpretada como sintoma de crise na relação: "sem tesão não há solução". E o veredito final: nosso amor está morrendo. Lamentável essa sentença de morte. Definitivamente o romantismo  não sabe separar sexo de amor. Quem disse que o amor tem que ser erótico o tempo todo? 


Pois bem, nessas análises equivocadas acabamos por descuidar do amor. Acreditamos que se trata de uma entidade auto-suficiente que surge como um milagre e desaparece sem dar explicações. Assim nos abstemos de toda responsabilidade pelo seu fracasso sem, contudo, deixar de sentir aquela pontinha de culpa alfinetando a consciência. Além disso - e por isso - cultivamos um desejo imaturo de que o onipotente amor nos salve de tudo: do tédio, da melancolia, dos problemas, do desemprego, do salário que atrasou, do vizinho chato, do patrão exigente, do caloteiro, do político corrupto, do aumento da conta de luz, da falta d'água, da falta de libido. Ufa, assim não tem amor que aguente! Mas quem se habilita a salvar o amor?

Vivemos em uma sociedade extremamente hedonista. E como a vida tem essa mania um tanto sádica de nos maltratar, queremos sempre muito prazer e no vício de gozo descartamos facilmente aquilo (ou aquele/a) que não nos oferece ou deixou, temporariamente, de nos oferecer prazer. As relações têm sido regidas por interesses egoístas. O narciso só "ama" quem lhe dá prazer. Quase ninguém suporta quem pensa (e sente) um pouco diferente, tampouco suporta a melancolia, nem a própria, nem a do outro. Pressinto que se a humanidade continuar nesse caminho não haverá futuro suportável, o ar que circulará entre as pessoas se tornará asfixiante, e do amor, que se queria pra sempre, restará tão somente uma sombra de semblante descaído.


PS: Esse texto, além de conciso, é bastante superficial: falar de amor não é tarefa fácil...

"São tantas coisinhas miúdas
Roendo, comendo
Arrasando aos poucos
Com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo
De gritos e gestos
Num jogo de culpa
Que faz tanto mal..."
(Grito de Alerta, Gonzaguinha)

4 comentários:

Roy Frenkiel disse...

Sandra, voce tirou todas as palavras, ideias, pensamentos e sentimentos de mim nesse texto. Perfeito, brilhante, nao quero saber se e facil ou dificil falar de "amor", mas e o que e.

Nao serei injusto com ninguem, relacionamentos sao SEMPRE complicados, e nao e porque voce nao da mais conta que voce e vilao, ou que "errou". Nao colocarei mais "culpa" onde ela nao cabe, cada qual de nos sabe o que quer da vida, e nada mais comum do que escolher parceiros/as. No entanto eu tendo a criticar esse hedonismo sim. Nao porque e "errado", mas porque essa nao e a minha ideia ideal de um amor, aquele que "acaba" quando as coisas ficam dificeis. Nao acredito em relacionamentos abusivos, e claro, e tudo tem limites claros. Mas dificuldades, brigas, invasao de espaco e desencaixes sao muito comuns sempre, nao podem ser fatores de separacao em si a nao ser que esse egoismo vingue, um egoismo que muitas vezes nos protege da insanidade tambem, mas muitas vezes so interrompe historias que poderiam, por lacos que nao desenlacam, por afeto, por intimidade, continuar dando frutos.

Por outro lado, talvez nao exista nenhum amor fixo nessa vida. Talvez tudo, tudo mesmo, tenha inicio, meio e fim.

bjx

RF

o refúgio disse...

pois é moço, sempre temi escrever sobre o amor porque acho um tema bem complicado, nós somos complicados,a vida é complicada. mas senti necessidade de falar, porque quando a gente expressa, a gente pensa e aprende um pouco mais sobre nossos sentimentos. é isso...
beijão

pituleira disse...

Oi menina,obrigado pela visita.Gostei muito do teu blog.Com relação ao texto:Juro que adorei.Genial...

Ana disse...

Muito bom.
Realmente uma bela reflexão...

(Postei no meu blog)

Bjs!