segunda-feira, 18 de dezembro de 2006
voar e cair: quase
Ela era uma artista. Artista do vôo e da queda, livre. Não tinha medo de quedas e sorria, sorria. Sorria da própria quase queda. Mas ela negava que voava, sim, ela negava. Ela dizia que caía. Porque essa era a sensação que tinha: sentia que caía, sentia a queda. Dizia que gostava de sensações rápidas de queda. Como um susto momentâneo, como brincadeira de criança quando brinca de segurar o outro que se deixa cair para trás ou para frente. A queda ou quase queda fazia parte da sua vida. E eu chamo quase queda porque era uma queda interrompida. Mas sinceramente eu prefiro chamar de quase vôo porque é assim que eu vejo essa queda: um vôo, um vôo interrompido, incompleto, como acordar no auge de um sonho. Quase um vôo ou um pequeno vôo. Acordar no limiar, sem completar. A incompletude. Porque quase tudo na vida é incompleto. Ou melhor, tudo na vida é incompleto. Pouco é quase tudo. Tudo é quase um pouco. Tudo tá quase quase. Tudo nunca é tudo. Ninguém é tudo na vida. Ninguém “é tudo” na vida do Outro. Mas quantos são quase tudo? Poucos, bem poucos... E ela ? Quem é ela? Ela é quase deusa, quase bruxa, quase puta, quase anjo, caído, num quase vôo, quase vou.
Imagem de trapezista do Google Images
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