sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um Olhar Diverso

Dizem que Ana sempre olhou muito mal.
Que ela simplesmente não via o que quase todo mundo via.
Que seu olhar dispersa das coisas.
E que, entre outras coisas, só via de suspiros pela lua cheia nascendo no horizonte, ou via de chateação pela espinha impertinente nascendo em seu rosto.
Ana sempre enxergou melhor com os ouvidos.
Até parece que nasceu de música.
Poderia ser cantora, violonista, pianista.
Mas não, Ana escolheu as artes plásticas que pedem tanto aos olhos.
Assim Ana habituou esfregar seu olhar nas coisas ao seu redor.
No entanto esse olhar atento durou pouco tempo.
Ana distraída começou a ver com a imaginação, mais ou menos como fazia quando criança e via o que ninguém via.
Ana desenhou delírios e criou seres nunca vistos.
Nem tardou e Ana abandonou as artes.
Decidira escrever poesia e seu olhar se voltou para dentro.
Escreveu de sentimentos e sensações, principalmente sensações: "o sentimento vaza como música em minha pele".
Ana descobrira que não só os versos mas cada palavra, em si mesma, comporta sensações.
Carrasco, por exemplo, é uma palavra bem seca provavelmente pelo dígrafo rr seguido de asco.
Burburinho é uma palavra que borbulha e faz cócegas ao pé-do-ouvido.
Enquanto jequitinhonha tem algo de nhoc-nhoc, nhac-nhac.
E alpendre tem uma amplitude inicial mas aconchega no final.
Ana prestava muita atenção às sonoridades das palavras e suas significâncias, daí inventava neologismos.
Alguns dizem que Ana virou poeta porque enxergava muito mal com os olhos (bendita deficiência!).
Ana é de ouvidos, de sensações, imaginânsias e sonholências.


Maio de 2010 (texto reeditado)

2 comentários:

Jens disse...

Fiandeira de fantasias líricas, Ana vê com olhos de criança e escuta com ouvidos de poeta. Um encanto, por certo.

Beijo, Sandrix.
PS, já soube da novidade:

http://marconileal.opsblog.org/2011/02/25/nasceu/#comments

o refúgio disse...

Jens, legal a notícia, que sejam felizes, todos.

Beijo