terça-feira, 24 de abril de 2007

Pensando a Cidade - 2


Do ponto de vista da relação do ser humano com a cidade existem, basicamente, duas personas: o motorista de automóvel e o pedestre. Provavelmente estou sendo por demais simplista. Mas não quero complicar as coisas por isto serei novamente simplista. Existem dois tipos de arquiteto/urbanista: aquele que sonha e planeja a cidade do ponto de vista do motorista e o que sonha e planeja a cidade do ponto de vista do pedestre. Por uma série de razões e também por ser pedestre sou do time do segundo grupo.

Ontem à noite participei de uma reunião com os moradores do bairro onde moro, em uma escola de ensino fundamental, aqui mesmo, nas Graças, quando técnicos da Prefeitura do Recife expuseram o projeto para a beira-rio, deste mesmo bairro. Fui bem animada esperando encontrar algo semelhante ao projeto, já executado, da margem oposta, onde caminho diariamente: uma rua com mão dupla, pista de cooper, árvores e manguezal preservados. Mas para minha decepção me deparei com um projeto de avenida com quatro faixas, sem pista para caminhadas e a eliminação de boa parte do manguezal, visto que não há espaço suficiente para construção de uma avenida. A justificativa dos técnicos é aquela velha história da “necessidade de desafogar o trânsito”.

O Bairro: As Graças é um dos bairros mais agradáveis de se morar no Recife. Arborizado, ruas estreitas, predominantemente residencial, casas, edifícios antigos (existem novos edificios mas ainda é minoria). Quem mora aqui quer se preservar do inferno que é morar próximo às grandes avenidas mas também quer ver o trânsito fluir rápido. E agora, José?

Não sou especialista em urbanismo mas nem precisava ser para constatar que a abertura de grandes avenidas nunca resolveu (a não ser paliativamente), nem resolverá o problema de congestionamento de veículos nas cidades. A cada dia as pessoas adquirem novos automóveis. Uma família tem três, quatro carros. Digo famílias da classe media/alta, porque o pobre mal tem dinheiro para passagem de ônibus, por isto anda de bicicleta ou à pé. Podem-se abrir mil avenidas e o problema sempre permanecerá. Então qual a solução?

A solução é uma política urbana que valorize o transporte público: ônibus e metrô. Ciclovias também são bem-vindas e ao mesmo tempo uma campanha de conscientização da população. Faz-se necessário uma mudança de mentalidade e valores. Enquanto nossa sociedade privilegiar o “comprar e possuir” em detrimento do “compartilhar e contemplar” não conseguiremos ter qualidade de vida, nem meio-ambiente preservado.

Quanto ao projeto da beira-rio...mais reuniões virão, mais discussões...Espero que nós, moradores das Graças, consigamos barrar esse projeto e alterá-lo a fim de preservar a humanidade do nosso bairro.
Mapa acima: trecho do bairro das Graças.

9 comentários:

Anônimo disse...

Sandrinha: fiquei com vontade de conhecer o teu bairro.
Quanto às pretendidas inovações, foste no cerne do problema: os urbanistas modernos estão privilegiando os automóveis em detrimento das pessoas. Por aqui a coisa também funciona assim; o bem estar do objeto antecede a satisfação do ser humano. A saída para evitar que isso se concretize é a união e a mobilização dos moradores. Já te vejo como a reencarnação pernambucana de La Passionaria, bradando: No passaron!
Beijos combativos.

Anônimo disse...

Mas é um colosso de bom saber que o Paulo Mendes da Rocha - e sua arquitetura para o HUMANO - tem como seguidora uma moça tão talentosa.
Clap,clap, clap!
Besito

Anônimo disse...

Sandra, sem nem pedir licença, eu adicionei lá, no blogue meu, linque para o blogue teu. Não se aborreça. Considere, afinal, o seguinte: o que faz um pirata que não saquear tesouros?
Os melhores dias, repletos de saúde e delícias.

Moacy Cirne disse...

Minha cara: Eu, que conheço Recife, e que, sobretudo nos anos 60, depois de Natal e Caicó, era a minha a grande (e afetiva) referência urbanística, tenho vagas - e agradáveis - lembranças do seu bairro. Mas o seu relato é preocupante. "Em nome do progresso", todas as nossas cidades lamentavelmente estão sendo desfiguradas. Até mesmo com Caicó - e seus poucos 60 mil habitantes - isso está acontecendo. O que fazer? Um beijo.

Anônimo disse...

MOacy: "O que fazer?". Tua pergunta me dá um nó na garganta porque não sei se nós, que nos preocupamos com o desenvolvimento humanístico das cidades, teremos como deter a especulação imboliária, os interesses das grandes corporações. Como disse no texto, é necessário uma revisão dos valores e os governos devem/deveriam estar atentos a isso. Por exemplo: aqui nas Graças existem edifícios contruídos até bem pouco tempo com pouquíssímo recuo até a margem do rio. Acredito que a lei de uso de solo não permite isso mas tá lá, foi construído. Desapropriar um edifício é caríssimo, segundo os técnico da prefeitura, o projeto que prevê neste trecho um avanço da rua ou avenida por cima do rio, como uma ponte, com estrutura de pré-moldado e guarda-corpo, é isso mesmo, exatmamente como uma ponte, segubdo eles é menos oneroso que a desapropriação. Sei não, continuarei particpando das reuniões, se não posso mudar o mundo pelo menos tentarei preservar meu bairro, né não?
Um beijo.

Moacy Cirne disse...

Pois é, Sandra, você acredita que em Caicó, já faz algum tempo, é verdade, derrubaram durante uma madrugada, sem que a Prefeitura aparentemente tomasse conhecimento, um prédio colonial na Praça da Liberdade, em pleno centro histórico da cidade. Um prédio que, simplesmente, abrigara a redação, na penúltima década do século XIX, o primeiro jornal republicano ("O Povo") do Estado. Em seu lugar, construíram um prédio de apartamentos. Ou seja, um verdadeiro atentado cultural contra a cidade. Beijos.

Anônimo disse...

É Moacy, é duro de ver. E assim a gente vai agüentando. Até quando?
Não sei, não sabemos.

Beijo, amigo.

Marconi Leal disse...

Tu moras nas Graças, é?! Pois é onde sempre morei e onde meus pais continuam morando até hoje? Qual é a rua?

Anônimo disse...

Marconi, moro na Rua Manuel de Almeida. E os teus pais? Beijo.