segunda-feira, 12 de março de 2007

Da Verdade dos Sonhos


Atenção: essa história não é real mas bem que poderia ser...

Antônio era um sujeito bacana, bem-humorado, tranqüilo e simples, muito simples. Trabalhava como motorista de ônibus da empresa Jotude e geralmente realizava as viagens Recife-Caruaru. Há dez anos trabalhava nessa profissão e andava bastante cansado, pensando em mudar de vida. Mas Antônio era casado e tinha três filhos pequenos, ou seja, muita responsabilidade. Se fosse solteiro já teria largado o emprego mas...

Às 19:00 de uma noite chuvosa Antônio partiu de Recife para Caruaru dirigindo um ônibus da Jotude. Ônibus lotado de passageiros. Antônio tinha discutido com Zuleika, sua companheira, antes de sair de casa e estava bastante nervoso. Chegou na rodoviária um pouco atrasado. Deu um ”boa noite” seco aos passageiros e assumiu seu posto –a cadeira do motorista. Antônio detestava dirigir na chuva, principalmente à noite, quando a visibilidade fica ainda pior. Dirigiu irritadíssimo até Gravatá, município próximo de Caruaru, quando parou o ônibus num posto de gasolina e foi até um orelhão dar dois telefonemas. Depois disso voltou ao ônibus, pegou sua bolsa e partiu andando pela estrada embaixo de uma chuva torrencial sem dar uma explicação sequer aos passageiros que ficaram indignados, com exceção de uma garota meio hippie que entendeu no ato a atitude libertária do motorista. Ela achou o máximo!

Antônio tinha ligado para a empresa de ônibus avisando que estava abandonando o trabalho. E para Zuleika, dizendo que um dia retornaria e que a poupança que fizera seria suficiente para ela e as crianças sobreviverem por alguns meses. Antônio percorreu a pé uns 10 km de chão. Chorava um bocado, não porque estivesse arrependido de sua decisão mas porque não sabia o rumo que daria a sua vida. Estava livre do trabalho que o enfadava mas estava perdido, completamente desorientado. E sabia que não seria fácil recomeçar do zero. E sentiu medo. Parou diante de um motel de beira de estrada e alugou um quarto, caiu na cama e dormiu num instante de tão exausto que estava. Dormiu e sonhou. Sonhou criança com seu pai, já falecido, brincando de teatro de bonecos. O pai de Antônio foi artista de mamulengo (teatro de bonecos do nordeste) e Antônio, quando menino, ajudava seu pai e dizia que quando virasse homem seria artista. Mas veio a adolescência, brigou com o pai e esqueceu o sonho de criança.

Quando acordou pela manhã naquele quarto de hotel, Antônio decidiu retomar aquele sonho antigo, promessa de criança. Nunca se sentira tão feliz com uma decisão e sentiu a paz invadir o seu coração. Saiu do motel e foi pra Caruaru, procurou Mestre Maximiano e (re)aprendeu toda a arte do mamulengo. Em pouco tempo, com materiais baratos, criatividade e entusiasmo, Antônio criou seu próprio teatro de bonecos. Voltou a Recife depois de seis meses numa caminhonete vermelha, com um artista/assistente e muita coragem para encarar a ira de sua companheira. Zuleika custou a perdoá-lo mas no fim, fascinada com o mamulengo, cedeu e embarcou na aventura encantatória de Antônio.

Atualmente Antônio, Zuleika e as crianças vivem com dificuldade, a vida não é fácil. Mas são os artistas mais alegres das feiras e festas das cidades do interior.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bonito, Sandrinha. Bonito e sensível.
Parabéns pelos 470 anos de Recife, que nesse período gerou algumas coisas maravilhosas para o Brasil (pessoas como você, por exemplo).
Um beijo.

Anônimo disse...

Eu e este ser covarde que me habita, invejamos os Antonios da vida, Dona Menina... Bjs.