Encontrei aquele homem no sinal fechado. Ele trajava paletó e gravata e tinha em uma das mãos um envelope vermelho. Assim como eu, esperava o sinal abrir para atravessar a avenida.
Gostei dele, do seu rosto, seu cabelo estilo Beatles, desalinhado...Apesar da roupa não parecia um homem careta. Às vezes certos trabalhos exigem trajes formais. Fazer o quê?
O sinal abrira e nós e mais uma ou duas pessoas atravessamos a avenida. Ele tinha o passo rápido e um andar elegante. Não, não tinha nada a ver com a roupa. Ele andava de um jeito natural, meio largado, como se usasse jeans e camiseta, muito à vontade, como se não soubesse ou não desse a mínima para o traje de jovem empresário urbano que trajava. E eu gostei disso. Seu ar cool, meio outsider (quanto ingrês!) me impressionou. Acompanhei, a alguns passos atrás, aquele homem mas nossos caminhos se separaram no cruzamento seguinte. Que pena, pensei. Mas para minha sorte, ou desejo, ou acaso, ele reapareceu na calçada que eu estava, atravessara a rua à minha frente e seguiu com seus passos rápidos e charme blasé. Eu o segui um pouco atrás e apressei o passo para não perdê-lo mais de vista. Ele dobrou a esquina que eu também dobraria, meu caminho natural para casa. Perdi-o de vista mas sabia que o reveria quando virasse a esquina. Dito e feito. Quando entrei na Rua das Crioulas, logo após a farmácia, o vi parado num fiteiro, comprando alguma coisa. E pensei: deve estar comprando um cigarro. Dito e feito. Passei por ele. Tinha que seguir, não tinha razão para interromper meu caminhar. Atravessei a rua, e ele atravessou logo depois, bem atrás de mim. Pude sentir seus passos... Ele logo me ultrapassou e eu atravessei a rua seguinte mudando para calçada do lado direito, enquanto ele seguia em frente, na mesma calçada, com seu charme, seu andar elegante e largado, cigarro na boca, cabelo ao vento, envelope vermelho... Virei outra esquina, entrei na Rua da Amizade. Não havia motivo para seguir aquele homem. Mas quem era aquele homem? Fiquei pensando. Poderia ser um bandido, um espião, um homem-bomba com um envelope na mão. Bem, não importa. Ele me impressionou. Nunca gostei de homens de paletó e gravata. Mas aquele me encantou, justamente porque parecia desprezar seu ‘paletó e gravata’... Quando cheguei em casa o esqueci. Mas no dia seguinte acordei pensando nele e me questionei: Por que deixei-o escapar? Eu tinha tanta pressa para chegar em casa? Eu precisava mesmo de razões coerentes para segui-lo?
7 comentários:
É Sandrix, às vezes surge esta vontade de seguir o primeiro impulso e mandar às favas as convenções. Porém, geralmente a razão impede que realizemos desejos desta natureza. Sacumé, são demais os perigos desta vida, como disse Vinicius. Além disso, comportamento assim espontâneos não são considerados de acordo com as regras sociais vigentes. Tá certo, de perto ninguém é normal. Mas só de perto.
Fica sempre um gostinho incômodo do "se". E se, ao menos desta vez, houvesse agido diferente. Que oportunidade foi perdida? Seria o homem de paletó e gravata o cavaleiro andante dos teus sonhos? Pois é...
Um beijo.
Medo?
Olá Sandrinha,
Gostei. Eu acho tão interessante uns acontecimentos que como eu digo, me impressionam, no sentido de umas coincidências, umas pessoas que se topam, momentos, mesmo não acontecendo 'nada'.
Esse lance de medo é uma praga, como o moderno tá impregnado de medos, vejo uma ironia nas 'razões coerentes', como sendo uma boa justificatica pra sociedade se proteger da causa do medo que ela própria gerou.
e quem sabe das esquinas da vida?Adorei.
super beijo
Gosto de suas andanças pela recifernália de nossos espantos; gosto de sua imaginação fértil pela escrita de nossos olhos olhares. Enfim, gosto do que vejo e leio aqui. Um beijo.
Sandrinha, nunca tinha lido um texto em prosa seu. Ainda mais em primeira pessoa, questionando subjetividades. Aliás, vc não deveria ter tido pressa em ir pra casa. Vacilou.Eu, se fosse você, vez ou outra faria o mesmo percurso. Quem sabe o acaso não te coloca esse despojado engravatado na frente novamente? Aí sim, quero ver tu bobear de novo. A relevância que damos a coisas nem tão importantes pode fazer com que deixemos escapar preciosidades, delícias.
;)
Beijo.
As formigas precisam um pouco mais do que simplesmente bater as antenas. =)
Beijo
Amei esse texto, Sandra. Isso acontece de vez em quando, mas muuuito de vez em quando. E aí é legal seguir a suposta caça, sim, por que não? Mesmo sabendo das razões que o Jens enumera, vale a pena. Mesmo que não dê em nada, ao menos a gente se deu uma chance...
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